quarta-feira, 15 de março de 2017

Heidegger e o Dasein

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Ser-aí ("Dasein") e Pre-Sença em Heidegger
Um dos modos do ser, na filosofia de Heidegger, é o ser-aí (Dasein), um dos conceitos chave do famoso livro «Ser e Tempo» deste filósofo alemão.
Na versão brasileira da editora «Vozes», a tradutora Márcia de Sá Cavalcante opta por substituir a expressão «ser-aí» por «pre-sença» na tradução da palavra Dasein:

«Pre-sença não é sinónimo de existência e nem de homem. A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade.»(M. Heidegger, O Ser e o Tempo, parte I, Nota N1 de Márcia de Sá Cavalcante, pag 309).

Ao contrário do que sustenta Márcia Cavalcante, o ser-aí (que ela traduz por...pre-sença) designa o ente homem, a julgar pelo que Heidegger escreveu:

«As ciências têm, enquanto modos de o homem se comportar, a forma de ser de este ente (o homem). A este ente designamo-lo com o termo "ser-aí". (Martin Heidegger,El Ser y el Tiempo, versão espanhola, Fondo de Cultura Económica, Madrid, pag 21).
«O ser que se aloja neste ente no seu ser é, em cada caso, meu. O "ser aí" não pode tomar-se nunca ontologicamente, portanto, como caso e exemplar de um género de entes "diante dos olhos" (na tradução brasileira: ser-simplesmente dado). A estes entes o seu ser é-lhes indiferente, ou vista a coisa exactamente, "são" de tal forma que o seu ser não pode ser-lhes indiferente nem o contrário. A menção de "ser aí" tem que ajustar-se ao carácter do "ser em cada caso meu", que é característico deste ente, indicando ou subentendendo ao mesmo tempo sempre o pronome pessoal: "eu sou", "tu és".» (Heidegger, ibid, pag. 54).

Ser-aí é, pois, sinónimo do ser em cada caso meu, isto é, da minha pessoa, da tua, da dele. Não é uma estrutura alheia ao homem universal nem tão pouco ao homem singular, como sustenta Márcia de Sá Cavalcante. O ser-aí é o homem, cada homem singular. As árvores, as montanhas e os animais são entes «diante dos olhos», destituídos de ser-aí.

Certamente, Heidegger reconheceu que os gregos identificaram o ser (to ón; einai) com a presença constante:

«Para os gregos, "ser" quer dizer o mesmo que presença constante. Constância e presente são, porém, caracteres do tempo. Ente é para os gregos aquilo que permanece, o permanente nas coisas que existem, o que, na mudança do estado das coisas (por exemplo, tornar-se maior ou menor) resiste na mudança das qualidades. (Martin Heidegger, Lógica, A pergunta pela essência da linguagem, Fundação Calouste Gulbenkian, Pág. 218).

Note-se que Heidegger erra ao restringir constância e presente ao âmbito do tempoA constância e o presente são esfera comum ao tempo e ao ser - entendido este último como forma geral e matéria, o que Heidegger não precisa, na sua ambiguidade . A citação de Heidegger acima não legitima que Márcia Cavalcante traduza ser-aí, Dasein, por «presença». No máximo, poderia traduzir Dasein por «esta presença minha, aí», o que não é o mesmo que «presença». O ser-aí (Dasein) é uma excrescência do ser (Sein) que é muito mais vasto, é um fauno guardião da floresta que é o ser, projectado na clareira desta...

(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)